A ascensão dos agentes de inteligência artificial — sistemas autônomos capazes de realizar tarefas complexas em nome dos usuários, como buscar, comparar e até concluir compras — promete reconfigurar profundamente o varejo digital. A chamada “era agentic” traz ganhos evidentes em conveniência e eficiência para os consumidores, mas acende alertas importantes no setor de Retail Media. Grandes plataformas, como Amazon, Walmart e DoorDash, vivem um dilema estratégico: como se beneficiar dos agentes sem perder o controle sobre a jornada de compra — e, consequentemente, sobre a monetização publicitária que essa jornada proporciona.
Segundo a Emarketer, a Amazon está optando por uma abordagem híbrida: investe no desenvolvimento de seus próprios agentes — como o recém-anunciado Buy with Me, baseado em modelos generativos — ao mesmo tempo em que reforça barreiras contra agentes de terceiros. A lógica por trás dessa estratégia é clara: agentes externos podem “roubar” tráfego humano das interfaces da Amazon, reduzindo exposição a anúncios, impacto de recomendações e o controle sobre dados de comportamento.
A Jornada Sob Nova Lógica
Historicamente, o Retail Media se apoia em uma jornada fragmentada e exploratória. O shopper navega, pesquisa, filtra, compara e descobre produtos. Cada clique é uma oportunidade de monetização, avalia comportamento em cada ponto de contato — seja por anúncios patrocinados, vitrines promocionais, displays, video ads ou resultados impulsionados por SEO interno. Mas a entrada dos agentes de IA muda esse jogo em três frentes:
a) Eficiência extrema na comparação de preços: Um agente pode varrer dezenas de varejistas em segundos, extraindo o melhor custo-benefício para o perfil do comprador. Isso não apenas comprime margens, como também acelera o funil de conversão, tornando obsoletos muitos dos pontos de contato pagos que sustentam a receita de Retail Media.
b) Intermediação da descoberta: Quando a escolha de qual produto mostrar passa a ser feita por um modelo de linguagem, e não mais por uma interface gráfica otimizada para retenção, o SEO tradicional e até mesmo os formatos de display perdem relevância. A lógica deixa de ser visual e exploratória, passando a ser conversacional, inteligente, assertiva e mais aberta, garantindo personalização na busca ideal ao shopper, que reduz seu tempo de pesquisa, comparação, avaliação, consideração, etc.
c) Desacoplamento da interface: Plataformas como Instacart, eBay e Perplexity (em parceria com o PayPal) estão investindo em experiências onde a compra é concluída dentro do próprio agente, sem que o usuário precise visitar o site do varejista. Isso reduz dramaticamente a influência das plataformas de Retail Media sobre o que o consumidor vê e decide.
Casos e Estratégias em Curso
Varias companhias pelo planeta estão investindo milhões de dólares em projetos de integração para habilitar GenAI com mais inteligencia em toda a jornada de compra, buscando oferecer mais conveniência e inteligência ao shopper, seja qual for seu nível de interesse pelo produto em qualquer fase do funil de compra:
a) Instacart integrou IA generativa em sua experiência de busca, oferecendo sugestões e listas inteligentes que antecipam desejos do consumidor. É uma forma de “internalizar” o agente antes que outros o façam.
b) eBay está experimentando fluxos conversacionais integrados ao carrinho, apostando que a conveniência pode reter compradores mesmo diante de agentes mais potentes fora da plataforma.
c) Perplexity + PayPal estão testando uma cadeia de consumo onde o usuário descobre, decide e paga por produtos sem sair da conversa — criando um ecossistema paralelo ao varejo tradicional.

Para Onde Vai o Retail Media?
Com menos tráfego direto e interfaces otimizadas, o Retail Media precisa repensar sua proposta de valor. Isso significa Migrar da impressão para a intenção: modelos publicitários baseados em intenção declarada (“quero comprar uma geladeira com eficiência energética”) podem ser mais eficazes em ambientes agentic; Oferecer APIs e dados estruturados: se os agentes vão intermediar a jornada, os varejistas precisarão criar pontos de integração que facilitem essa intermediação com governança; e Criar agentes próprios: como faz a Amazon, plataformas podem desenvolver seus próprios copilotos de compra, garantindo que ainda sejam o destino — mesmo quando a jornada for comandada por uma IA.
O Fim da Jornada Tradicional?
Tradicionalmente, o Retail Media monetiza a atenção do shopper durante sua navegação — banners, carrosséis, resultados patrocinados e vitrines são otimizados para capturar cliques. Mas agentes de IA (como copilotos de compra) operam de maneira transacional e direta, otimizando o tempo do usuário ao máximo. Em vez de “explorar” uma loja, o agente apenas executa: “Compre o melhor sabão em pó por menos de R$ 30 com entrega amanhã.”
Qual é o Impacto direto? Redução no tempo de navegação = menos impressões = menos oportunidades de publicidade e Compressão da jornada = menor influência da marca em momentos de consideração.
O Dado Como Novo Território de Defesa
Com menos controle sobre a jornada visual, varejistas e plataformas precisarão se reorientar para dados estruturados e APIs. Se o tráfego vai ser comandado por agentes, quem fornecer as melhores respostas estruturadas terá mais chance de manter relevância. Isso implica: a) Padronização de catálogos; b) Dados de estoque em tempo real; c) Ofertas dinâmicas expostas por API; d) Metainformações que melhorem a resposta dos agentes (“produto orgânico”, “melhor para pele sensível”). As plataformas RMNs com dados ricos e organizados serão mais bem integradas aos agentes.
Retail Media 2.0: Da Publicidade Visual para a Publicidade Programática Conversacional
No novo modelo, a intenção declarada (via comandos de voz, texto ou contexto) passa a valer mais do que a exposição visual. Isso pode dar origem a uma nova geração de anúncios contextuais conversacionais, como: a) Lances em tempo real para aparecer na resposta do agente (“sabonete Dove é o melhor custo-benefício, segundo X”); b) Formatos como “sugestão inteligente de produto” dentro da conversa, semelhante aos resultados patrocinados do Google, mas mediados por IA; c) “Ofertas de destaque” dinâmicas enviadas via push no próprio ambiente do agente.
Criação de Ecossistemas Próprios (Walled Gardens Agentic)
Com agentes realizando comparações de preços em segundos, o nível de competição entre marcas se eleva. Quem tiver menor margem ou menor diferencial de produto será excluído automaticamente da resposta final do agente. Isso muda o jogo para Fabricantes CPG, que precisarão renegociar formas de exposição direta nos ambientes agentic e Marcas DTC, que perderão sua principal vantagem (storytelling visual e controle de branding).
Novos KPIs e Modelos de Mensuração
Métricas tradicionais (CPM, CTR, ROAS visual) perderão valor em todo ecossistema de Retail Media. Novos indicadores emergirão, vamos a alguns deles:
a) “Conversational conversion rate” – taxa de conversão a partir de sugestões feitas pelo agente;
b) “Shelf share of voice agentic” – percentual de vezes que uma marca é mencionada como primeira escolha pelo agente;
c) “Inclusion rate” – frequência com que o produto aparece nas listas geradas pelo agente (ex: “melhores notebooks custo-benefício”).

Jornada Tradicional X Jornada Agentic
Estamos realizando diversos estudos e pesquisas para entender a eficiência prática (de campo) dos agentes de IA na jornada do shopper no campo da melhoria da experiência, eficiência dos processos, produtividade conquistada para entrega da conveniência, assertividade dos resultados, etc. Estamos comparando diversos agentes e comparando suas eficiências em cada tipo de missão de compra, perfis de shopper, momento de compra, etc entre jornadas tradicionais e conduzida por agentes.
Aqui está um gráfico comparativo entre a jornada de compra tradicional e a jornada conduzida por agentes de IA. Ele destaca como cada etapa — da descoberta à finalização da compra — é drasticamente reduzida em tempo quando mediada por um agente, o que evidencia o ganho de eficiência para o consumidor e a perda de oportunidades de exposição para o Retail Media.

Fluxo Comparativo: Jornada Tradicional vs. Jornada Agentic
Jornada Tradicional
- Entrada no site do varejista
- Busca manual por categorias ou termos
- Exposição a anúncios e vitrines
- Comparação manual de preços, avaliações e fretes
- Adição ao carrinho
- Checkout
Jornada Agentic
- Prompt para agente (ex: “quero um tênis para corrida até R$ 300”)
- IA consulta múltiplas fontes simultaneamente
- Sugestão direta com 1 a 3 opções
- Compra realizada sem navegação intermediária
- Entrega agendada
Resultado: a jornada agentic pode reduzir uma decisão de compra de 20 minutos para menos de 2, com menos cliques, menos exposição e menos influência gráfica.
Motivação e Missão de Compra
Logicamente que todo esse processo de busca, pesquisa, consideração depende do tipo da missão de compra de cada perfil de shopper, como destacamos no quadro abaixo:
Tipo de Missão | Jornada Tradicional | Jornada Agentic |
---|---|---|
Compra planejada | Shopper pesquisa, compara preços, salva links | Agente é instruído com o objetivo direto e orçamento |
Compra por reposição | Shopper retorna à lista de pedidos, usa favoritos | Agente gerencia reposições automáticas |
Compra exploratória | Shopper navega por categorias, lê avaliações | Agente sugere com base em preferências e contexto |
Compra por ocasião/evento | Shopper busca por inspiração ou tendências | Agente propõe listas temáticas pré-curadas |
Etapas, Tempos Médios e Atritos
É muito relevante avaliar atritos e tempos médios de cada etapa, detalhando melhor a necessidade de cada fase do funil da jornada de compra:
Etapa | Jornada Tradicional | Tempo Médio | Atritos | Jornada Agentic | Tempo Médio | Atritos |
---|---|---|---|---|---|---|
Acesso à plataforma | Site/app do varejista | 1 min | App lento, login, push indesejado | Comando direto ao agente | 10 seg | Nenhum (ponto único de entrada) |
Descoberta de produtos | Pesquisa, banners, categorias | 3–5 min | Overload de opções, navegação densa | Resposta imediata com shortlist | 30 seg | Risco de viés algorítmico |
Comparação | Tabs abertas, análise manual | 5–7 min | Excesso de cliques, inconsistência de dados | Feita automaticamente pelo agente | 10 seg | Menos controle do shopper |
Decisão e carrinho | Escolha + adição ao carrinho | 2–3 min | Dúvida, abandono | Ação confirmada por comando | 15 seg | Menor chance de upsell ou cross-sell |
Checkout e pagamento | Preenchimento de dados | 3–5 min | Fricção com formulários, autenticação | Pagamento automático via integração | 15 seg | Risco de erro ou decisão apressada |
Tempo total médio de pesquisa de campo:
- Jornada Tradicional: ~15–20 minutos
- Jornada Agentic: ~1–2 minutos
Formas de Pesquisa e Descoberta
É muito importante destacar as formas de pesquisa e descoberta em que se encontra o shopper para saber quais serão as ofertas dos agentes serão realizadas para acelerar a jornada:
Tipo de Pesquisa | Jornada Tradicional | Jornada Agentic |
---|---|---|
Pesquisa por palavra-chave | Baseada em SEO interno dos sites | Baseada em NLP e intenção semântica |
Filtros e ordenações | Manuais: preço, avaliações, entrega | Otimizados automaticamente pelo agente |
Descoberta editorial | Páginas de tendência, listas, recomendações | Listas temáticas geradas dinamicamente |
Pesquisa multimodal | Busca por imagem ou voz limitada | Entrada por voz, texto, contexto e histórico |
Recomendações | Algoritmos baseados em cliques | Baseados em hábitos, objetivos e comportamentos |
Perda e Ganho de Valor nas Duas Jornadas
Há diversas dimensões que precisam ser estudadas para comparar as jornadas entendendo nivel de engajamento, oportunidades ou janelas de mídia, controle da experiência, nível de eficiência e personalização da jornada, conforme abaixo:
Dimensão | Jornada Tradicional | Jornada Agentic |
---|---|---|
Engajamento com marca | Alto – shopper interage com múltiplos ativos | Baixo – decisão acontece fora da interface |
Oportunidades de mídia | Alta densidade de anúncios e banners | Redução drástica de exposição visual |
Controle da experiência | Varejista define UI, UX, fluxo | Agente define lógica de priorização e entrega |
Eficiência para o shopper | Média – exige tempo, leitura, comparação | Altíssima – jornada direta, orientada a objetivos |
Personalização | Limitada ao histórico de navegação | Baseada em dados cruzados e contexto do consumidor |
Alguns Depoimentos Relevantes do Mercado
Em conversa com diversos profissionais do mercado, coletamos alguns depoimentos do mercado para ilustrar esse artigo como dessa importante CMO de uma rede varejista, ela relata uma preocupação relevante: “A ascensão dos agentes nos forçou a repensar toda a lógica de publicidade interna. Hoje, 60% da nossa receita de mídia vem de banners e carrosséis — mas e quando isso desaparecer? Estamos criando modelos de resposta para agentes que integrem recomendações comerciais de forma nativa e transparente.”
Já um gerente de Produto de uma plataforma de Retail Media emite sua opinião mais técnica: “Estamos desenvolvendo APIs de oferta em tempo real, para que agentes como o ChatGPT ou Alexa possam consultar nossos dados e apresentar o produto certo com o preço mais atualizado. Não adianta lutar contra: temos que ser parte do novo fluxo.”
Entretanto, a Diretora de E-commerce de marca CPG emite uma opinião mais realista, mas se diz mais preparada para essas mudanças: “Hoje nossa principal briga é estar bem ranqueado nos algoritmos de SEO de marketplace. Amanhã, será estar na resposta do agente. Isso muda totalmente como estruturamos nossos catálogos e o tipo de conteúdo que criamos.”
Uma Nova Arquitetura da Conveniência
O shopper tende a sair ganhando: compras mais rápidas, personalizadas e baseadas em contexto real. Mas, para o Retail Media, o desafio é manter relevância e monetização em um ambiente onde a decisão de compra é feita em segundos, por um agente, fora das interfaces proprietárias.
A era agentic exige uma reengenharia completa da cadeia de valor do varejo digital. Plataformas que resistirem à mudança perderão terreno para agentes mais abertos e interoperáveis. As que souberem se integrar, oferecer dados de qualidade e gerar valor mesmo fora da interface, estarão melhor posicionadas para liderar essa transição.
A evolução dos agentes de IA não significa o fim do Retail Media, mas uma transformação em sua essência: de publicidade em interfaces gráficas para influência em decisões algorítmicas. O ponto de decisão da compra está migrando para outro lugar — e quem quiser permanecer relevante, precisa migrar junto.
A palavra-chave agora é interoperabilidade com inteligência: varejistas e plataformas que souberem se conectar aos novos canais agentic, entregando dados, ofertas e contexto em tempo real, continuarão capturando valor. Os demais, ficarão presos a um modelo de mídia que vai progressivamente perder visibilidade, tráfego e influência.