Por muito tempo, o modelo de retail media operou dentro de uma lógica simples: manter o consumidor navegando e comprando dentro do próprio ambiente do varejista. Seja na Amazon, no Mercado Livre, na Magalu ou nas Americanas, a prioridade dos maiores varejistas do Brasil sempre foi reter a audiência, estimular descobertas e aumentar o ticket médio.
Mas isso está mudando, ao passo que uma nova etapa do retail media começa a ganhar força — e ela rompe com a fronteira do in-site. Grandes marketplaces estão se posicionando, cada vez mais, como plataformas de tecnologia e dados, capazes de comercializar suas audiências não apenas para veiculação de campanhas dentro de seus próprios ambientes, mas também fora deles, em inventários externos de portais de conteúdo, streaming e redes programáticas.
O conceito é relativamente simples, embora a operação exija uma boa dose de estratégia: os varejistas seguem modelos já estabelecidos por Mercado Livre e Amazon e criam suas próprias Demand Side Platforms (DSPs) — plataformas que permitem a compra de mídia programática fora dos seus e-commerces. Isso significa que as marcas agora podem impactar consumidores que demonstraram interesse em determinados produtos tanto dentro do varejo quanto em outros ambientes digitais, como sites de notícias, blogs, plataformas de vídeo e até algumas redes sociais.
Por exemplo, um usuário que pesquisou ou adicionou eletrônicos ao carrinho no Mercado Livre pode ser impactado por um anúncio da mesma categoria enquanto navega em portais de notícias ou assiste a um streaming. Isso só é possível porque os dados de navegação daquele consumidor são usados como base de segmentação de campanhas de mídia, graças às parcerias entre os varejistas e as adtechs, beneficiando os anunciantes.
A principal vantagem desse modelo é evidente: as marcas passam a ter acesso a uma base altamente qualificada e com forte intenção de compra. Afinal, diferentemente das plataformas tradicionais que segmentam por interesses e comportamento contextual, o retail media trabalha essencialmente com dados transacionais. Ou seja, nesse exemplo não estamos falando apenas com quem gosta de tecnologia, mas com quem efetivamente engajou com o produto no varejo, colocou no carrinho ou já comprou algo de determinada marca.
Outro ganho importante é a possibilidade de trabalhar jornadas mais completas, combinando awareness, consideração e conversão. Dessa forma, as marcas conseguem encontrar novos públicos, nutrir conversas com esses targets e, posteriormente, direcioná-los para a compra — seja dentro do marketplace ou em seus próprios e-commerces.
O desafio das barreiras — que começam a cair
Historicamente, havia uma resistência dos próprios marketplaces em permitir que o consumidor saísse de seus ambientes. Fazia sentido: por que ceder tráfego se o objetivo é manter o cliente dentro de seu ambiente de conversão? No entanto, essa lógica começa a se flexibilizar, pois as campanhas programáticas que levam o usuário para o site de um anunciante passa a ser uma nova linha de receita no P&L do varejo, o colocando nesse posicionamento de plataforma de tecnologia que mencionei anteriormente.
Apesar do avanço, o uso desse tipo de estratégia ainda não é massivo. Muitos anunciantes ainda associam o retail media exclusivamente a mídia de busca e banners internos dos marketplaces. A mídia programática off-site — que leva as audiências dos varejistas para fora de seus domínios — ainda é vista como algo novo, muitas vezes associado ao topo de funil, focado em awareness e consideração, e não necessariamente em performance.
Mas isso começa a mudar. Grandes marcas de consumo já adotam planejamentos full funnel usando retail media programático para atrair novos públicos, nutrir audiências e fortalecer sua base de clientes.
O futuro: o varejista como plataforma de dados
O movimento aponta para uma transformação mais ampla. Na prática, os marketplaces estão se tornando verdadeiras adtechs. Seu modelo de negócios não se limita mais à venda de produtos, mas também à comercialização de dados, inventário e tecnologia de mídia programática.
Vejo também uma tendência de surgimento de cada vez mais hubs integrando, em uma única plataforma, tanto os inventários dos marketplaces quanto os espaços em portais, redes sociais, streaming e mídia programática aberta, que permitam aos anunciantes acessar e comprar mídia diretamente. É um caminho que já começa a ser desenhado por parcerias como a da Globo com a VTEX Ads, que recentemente anunciaram uma plataforma unificada com dados de audiência conectados à capacidade de mídia cross-channel.
O que antes parecia futurismo agora é uma questão de tempo. E, como toda revolução na publicidade digital, quem aprender primeiro, sai na frente.